O DILEMA DA USUCAPIÃO DE IMÓVEL COM MATRÍCULA MÃE EM IMBITUBA


Em nossa cidade, advogados militantes no direito imobiliário sabem que a certidão negativa para fins de usucapião do imóvel deve ser solicitada em Imbituba e Laguna, pois há imóveis de Imbituba registrados lá, em razão da divisão territorial existente outrora.

Pois bem, ocorre que, às vezes, no curso do processo, descobre-se que há matrícula mãe, ou seja, a fração de terra está inserida em uma gleba maior que possui matrícula, isso ocorre por ausência de consulta no Cartório de Registro de imóveis de Laguna ou pela descoberta de um predecessor na cadeia possessória cujo o nome permite localizar a matrícula.

Nesse momento, a parte é intimada para informar a adequação da via eleita e, em havendo possibilidade, para que se manifeste e acoste aos autos os documentos necessários para conversão da usucapião em adjudicação, por força da instrumentalidade das formas[1].

Há colegas que optam pela via da adjudicação nesse momento, escolha que considero inadequada[2], isto porque, se não há individualização da área (desmembramento) não é possível realizar a adjudicação, visto que apenas parcela da gleba foi objeto de aquisição, tampouco é possível gerar nova matrícula pela via da adjudicação.

Nesses casos há dois caminhos, desistir da ação e realizar o desmembramento pela via administrativa (Prefeitura e Cartório de Registro de Imóveis) ou insistir na usucapião como meio originário de aquisição da propriedade[3], sustentar o preenchimento dos requisitos legais, a viabilidade do uso da usucapião para sanear aquisições derivadas imperfeitas [4], a onerosidade excessiva da outra via disponível, a função social da propriedade [5] e a preponderância da resolução de mérito[6].

De fato, o uso indiscriminado da usucapião como forma de burlar o parcelamento regular do solo, o recolhimento de tributos e o procedimento de desmembramento deve ser rechaçado, a jurisprudência do TJ/SC vem se consolidando neste sentido e o Ministério Público tem atuado combativamente, no entanto, para as ações curso, principalmente as antigas que tramitam há anos, a tese supracitada é uma solução, desde que as circunstâncias de fato, adequadamente, a sustentem.

 

Stephannie Roses

Advogada OAB 61643



[1] arts. 188 e 277 do Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/15):

art. 188. Os atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.

Art. 277. Quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.

 

[2] APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. SENTENÇA QUE JULGOU EXTINTO O FEITO, ANTE O RECONHECIMENTO DA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO, NA FORMA DO ART. 267, VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. RECURSO DO AUTOR. PRETENSO AFASTAMENTO DA SENTENÇA EXTINTIVA, SOB A ASSERTIVA DE QUE PLEITEOU TANTO PELA OUTORGA DA ESCRITURA DO IMÓVEL, COMO PELO SEU DESMEMBRAMENTO, O QUAL, TAMBÉM SUSTENTA NÃO SER ÓBICE À ADJUDICAÇÃO PRETENDIDA. INSUBSISTÊNCIA. IMÓVEL OBJETO DO CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA QUE NÃO SE ENCONTRA INDIVIDUALIZADO NO REGISTRO IMOBILIÁRIO. IMPRESCINDIBILIDADE DE TAL REGULARIZAÇÃO. NORMA INCIDENTE QUE CONDICIONA O CUMPRIMENTO DE REFERIDA MEDIDA PARA FINS DE OBTENÇÃO DO REGISTRO DO IMÓVEL. EXEGESE DOS ARTS. 37 E 41 DA LEI N. 6766/1979, QUE DISPÕE SOBRE O PARCELAMENTO DO SOLO URBANO. INDIVIDUALIZAÇÃO E REGISTRO DO BEM NO ÓRGÃO COMPETENTE INOBSERVADOS NA HIPÓTESE. CARÊNCIA DA AÇÃO CARACTERIZADA. SENTENÇA MANTIDA. "A circunstância de não ter o imóvel alienado matrícula específica inviabiliza juridicamente o pedido de formação de título aquisitivo de propriedade, título esse ao qual, na hipótese de ação de adjudicação compulsória, equivaleria a sentença de procedência transitada em julgado; é que, em caso tal, a sentença de adjudicação, para ser exequível e, portanto, registrada no cartório respectivo, haveria que reunir, necessariamente, todas as exigências contidas na Lei de Registros Publicos, bem como nos diplomas que disciplinam o parcelamento do solo, requisitos esses que, não atendidos, levam à impossibilidade jurídica do pedido adjudicatório."

 

(TJ-SC - AC: 00000701320138240068 Seara 0000070-13.2013.8.24.0068, Relator: José Maurício Lisboa, Data de Julgamento: 21/05/2018, Câmara Especial Regional de Chapecó)

[3] A usucapião é um modo originário de aquisição de propriedade cujo principal efeito é constituir título em favor do usucapiente, com oponibilidade erga omnes (inclusive contra os interessados em relação aos quais tem a força de operar a sua transferência para o usucapiente). Em um segundo momento, diz o autor, a usucapião tem o efeito consolidador do domínio da coisa em favor daquele que a adquire por título cuja eficácia é discutida. (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Revista e atualizada por Carlos Edison do Rego Monteiro Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v. IV: Direitos reais).

 

[4] (CUNHA, Fernando Antonio Maia da; GUERRA, Alexandre Dartanhan de Mello. Usucapião de coisa própria. Pode o proprietário usucapir bem que lhe pertence?). 

[5] Constituição Federal de 1988 - Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

 

[6] […] DUARTE, Zulmar. Preponderância do Mérito no Novo CPC. Disponível: http://genjuridico.com.br/2015/01/23/preponderancia-do-merito-no-novo-cpc/ Acesso: […]